Ao editar aPortaria RFB 555/2025 (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-rfb-n-555-de-1-de-julho-de-2025-640276262)Portaria RFB 555/2025, no dia 1º deste mês, a Receita Federal tornou o procedimento administrativo de transação tributária mais criterioso, porém mais trabalhoso, por transferir o ônus argumentativo ao contribuinte.
Receita Federal atualizou as normas para transação tributária em contencioso administrativo fiscal
Essa análise é dos advogados tributaristas ouvidos pela revista eletrônicaConsultor Jurídicosobre as normas que substituem aPortaria RFB 247/2022 (https://in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-rfb-n-247-de-18-de-novembro-de-2022-444949848)Portaria RFB 247/2022.
Na prática, a Receita reproduziu uma série de procedimentos que já são adotados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) desde a edição daPortaria PGFN 6.757/2022 (https://in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-pgfn/me-n-6.757-de-29-de-julho-de-2022-418965941)Portaria PGFN 6.757/2022, que regulou a transação de créditos tributários já judicializados.
O órgão, por exemplo, incorporou no artigo 19 da portaria os critérios da PGFN para avaliar a possibilidade da transação, baseados em recuperabilidade da dívida tributária e capacidade de pagamento do contribuinte.
A Receita ainda estabeleceu a própria discricionaridade para aceitar propostas de transação, autorizar o uso de créditos e analisar eventuais fraudes, além de estabelecer obrigações de documentação e transparência pelo contribuinte.
ParaJúlio César Soares, sócio da Advocacia Dias de Souza, a nova norma alinha-se a uma tendência de racionalização do contencioso administrativo, mas o faz pela via do endurecimento técnico e procedimental.
“Trata-se, em última análise, de uma medida de prudência fiscal compreensível no contexto de necessidade arrecadatória, mas que exige do contribuinte a demonstração de inexistência de fatos e atos que seriam cabíveis, em última instância, à atuação da própria Receita Federal. E se o ônus para adesão for excessivo, o objetivo da norma acabará esvaziado”, alerta ele.
Julia Rodrigues Barreto, advogada da área tributária da banca Innocenti Advogados, cita outras novidades estabelecidas na portaria: a manutenção da regularidade fiscal durante todo o acordo; a previsão de descontos e parcelamentos mais longos; e a imposição de consequências rigorosas por descumprimento, como a rescisão e o impedimento para novas transações.
“Essas mudanças tornam o processo de negociação tributária mais criterioso, exigindo maior preparo e planejamento por parte do contribuinte.”
O maior exemplo da transferência do ônus argumentativo ao contribuinte está na restrição ao uso de prejuízo fiscal e base negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), exatamente o que a PGFN já faz desde 2022.
As empresas que operam no sistema de lucro real podem registrar esse prejuízo fiscal e a base negativa de CSLL nos exercícios fiscais em que as despesas superam as receitas. E esses valores não se perdem: são usados para abater o lucro tributável, base de cálculo do IRPJ e da própria CSLL.
A partir de agora, a Receita Federal só vai aceitar essas deduções se o contribuinte comprovar que elas são imprescindíveis para o cumprimento do plano de pagamento. SegundoMarcio Alabarce, sócio do escritório Canedo, Costa, Pereira e Alabarce Advogados, isso abre espaço para critérios que não sejam uniformes entre os contribuintes.
“Por outro lado, reforça a importância de as empresas em dificuldade terem maior cuidado na elaboração das demonstrações contábeis, pois é a partir delas principalmente que se poderá demonstrar a importância do uso desse crédito para a viabilidade de uma transação.”
Priscila Regina de Souza, tributarista do Loeser e Hadad Advogados, destaca que o indeferimento da utilização dos créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL resultará no pagamento à vista, em 30 dias, do saldo devedor amortizado indevidamente com os créditos não reconhecidos, acrescido de juros de mora.
Para ela, a norma é motivo de preocupação “porque a referida análise e respectiva aceitação ficarão a critério exclusivo e, logo, subjetivo, da Receita Federal do Brasil. Em sendo assim, caberá ao contribuinte demonstrar documentalmente que sem a utilização desses créditos, não teria outra opção de aderir ao cumprimento das demais normas para plena adesão da transação”.
“A demonstração de que seja ou não imprescindível é muito subjetiva, o que dificulta o uso de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL e, consequentemente, desestimula a celebração da transação tributária. Essa foi a mudança de maior impacto. Essa restrição já existia para as transações na PGFN, mas não na RFB”, apontaJulio Cesar Vieira Gomes, sócio do Julio Cesar Vieira Gomes Advocacia e ex-secretário da Receita Federal.
Já Júlio César Soares entende que, embora a comprovação da imprescindibilidade do uso de prejuízo fiscal e da base negativa de CSLL não esteja formalmente tipificada, é possível vislumbrar alguns critérios para análise pela Receita:
— Apresentação de plano de recuperação fiscal detalhado (artigo 32, III) demonstrando que, sem a utilização dos créditos, a equação da dívida não se sustenta financeiramente;
— Demonstrações contábeis e fluxo de caixa projetado (artigos 32, parágrafo 1º, e 33) que evidenciem o comprometimento da capacidade de pagamento sem a aplicação dos créditos;
— Eventualmente, laudo técnico subscrito por profissional habilitado, conforme facultado pela Receita Federal.
Alberto Medeiros, sócio do Carneiros Advogados, por fim, reconhece que a transação tributária administrativa ficará menos atrativa para os débitos inscritos na dívida ativa da Receita em relação aos do âmbito da PGFN, mas elogia o esforço normativo.
“Essa portaria veio para equalizar os parâmetros de transação no âmbito da Receita e no âmbito da PGFN, o que eu vejo com bons olhos, porque isso demonstra que a transação no âmbito da Receita está ganhando importância e há um futuro a ser trilhado, assim como na PGFN.”
Fonte: Conjur
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